A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394/1996) estabelece quem são os profissionais da educação escolar básica. Segundo o artigo 61, “consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:”:
- I – professores habilitados em nível médio ou superior para docência na educação infantil, fundamental e média;
- II – trabalhadores em educação com diploma de Pedagogia (com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção ou orientação educacional, inclusive títulos de mestrado/doutorado nessas áreas);
- III – trabalhadores em educação com diploma técnico ou superior em área pedagógica ou afim.
Essas categorias – professores e especialistas em pedagogia – são as únicas expressamente incluídas na definição legal. Em termos práticos, significa que, pela LDB, são considerados profissionais da educação apenas aqueles com formação docente ou pedagógica específica.
Quem fica de fora da definição legal?
Chamam a atenção os trabalhadores escolares omitidos pela LDB. Cargos de apoio fundamentais ao dia a dia da escola não estão listados. Por exemplo, merendeiras, auxiliares de secretaria, inspetores de alunos, motoristas escolares, seguranças e atendentes de alunos não aparecem no art.61. Esses profissionais não têm formação pedagógica formal exigida pela lei, por isso ficam de fora da definição oficial.
Na prática, a LDB exclui expressamente despesas relacionadas a esses servidores. O próprio artigo 71 define que “não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino” itens como “programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social”. Ou seja, custos com merenda escolar, equipes de saúde ou assistência social não são considerados gastos de ensino – reforçando que os profissionais que executam essas funções não são contabilizados como parte do magistério. Em outros termos, a alimentação escolar (merenda), médicos, psicólogos, etc., ficam fora da conta do “desenvolvimento do ensino” na LDB.
Isso deixa de fora, por exemplo:
- Merendeiras: que preparam as refeições dos alunos;
- Auxiliares de serviços gerais: limpeza e manutenção das escolas;
- Inspetores de alunos, porteiros e vigilantes: que zelam pela organização e segurança do ambiente escolar;
- Técnicos administrativos e auxiliares de secretaria: que cuidam da gestão escolar;
- Profissionais de saúde e apoio: como nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais vinculados às escolas.
Embora essenciais, esses profissionais têm sua atividade ignorada na LDB. Como observam especialistas e sindicatos, ao listar apenas docentes e pedagogos, a lei deixa “funcionários da educação” (termo do CBO) sem a mesma visibilidade. Uma análise sobre o cotidiano escolar no Rio de Janeiro destaca que merendeiras, inspetores, porteiros e auxiliares são “fundamentais para o cotidiano escolar, mas permanecem marginalizados nas políticas de valorização profissional, enfrentando baixos salários, invisibilidade institucional e escassez de oportunidades de formação”. Em resumo, muita gente que faz a escola funcionar fica informalmente de fora do conceito legal de “profissional da educação”.
Profissionais invisíveis e desvalorizados
O efeito dessa exclusão é a invisibilidade e desvalorização desses trabalhadores. Apesar de cumprirem papéis pedagógicos indiretos – cuidar da alimentação saudável, da limpeza, da ordem e do atendimento ao aluno – eles quase não são considerados nas discussões sobre carreira e piso nacional. Sindicatos e especialistas apontam que o currículo da escola se limita aos “professores e pedagogos”, e todo o resto fica em segundo plano.
Por outro lado, docentes e dirigentes frequentemente enfatizam que “a qualidade da educação” depende de fatores amplos, incluindo a valorização de todos os trabalhadores da escola (professores, pedagogos e também funcionários de apoio* – merendeiras, porteiros, técnicos em multimídia, infraestrutura, secretarias escolares, etc.). No entanto, a lei atual não reflete essa visão. Essa contradição gera situações como profissionais concursados em funções-chave recebendo salário mínimo. Questiona-se: qual é o reconhecimento oficial da função educativa das merendeiras que alimentam com carinho as crianças, ou dos porteiros e inspetores que acolhem os alunos na entrada da escola?
A mobilização da categoria também expressa essa demanda. Em dezembro de 2021, cerca de mil trabalhadores da educação (professores, técnicos e auxiliares) se reuniram em Brasília e pediram regras claras de valorização ampla. Entre suas reivindicações estava o Projeto de Lei 2.531/2021, que prevê piso salarial nacional para técnicos e administrativos da educação básica. No ato, eles destacaram “o papel fundamental dos profissionais não-docentes – como auxiliares de secretaria, merendeiras, inspetores e técnicos administrativos – no funcionamento das escolas” e cobraram políticas públicas que reconheçam essas pessoas como centrais para a educação. Essa luta nacional contrasta com o texto da LDB, que hoje “protege” (praticamente) apenas quem é magistério.
Exemplos e políticas de valorização mais inclusivas
Embora a LDB atual seja restritiva, há iniciativas em outros espaços que tentam ampliar o conceito. Recentemente, o Tribunal de Contas do Espírito Santo analisou consulta sobre FUNDEB e entendeu que, para fins de aplicação do piso constitucional, cargos como auxiliar de secretaria, merendeira, servente e vigia podem ser enquadrados como “profissionais da educação básica”, desde que preencham os requisitos legais de formação. Ou seja, mesmo não estando no art.61, essas categorias passaram a ser reconhecidas no plano do financiamento escolar. Essa decisão não muda a LDB formal, mas sinaliza a necessidade de rever a visão tradicional.
No plano federal, outros avanços apontam nesse sentido. O próprio novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) ampliado pela Emenda Constitucional 108/2020 substituiu o termo “profissionais do magistério” por “profissionais da educação”. Houve tentativas de incluir psicólogos e assistentes sociais no cálculo do Fundeb, mas acabaram rejeitadas por avanços legislativos (mantendo a definição próxima ao art.61 da LDB). Enquanto isso, o projeto de lei dos técnicos e administrativos (PL 2.531/21) segue tramitando, buscando reconhecer legalmente essas categorias com piso próprio e carreira. Também há programas federais de formação continuada para funcionários escolares, como o Profuncionário (que oferece vagas de curso técnico a merendeiras e auxiliares), embora ainda aquém da demanda.
No âmbito internacional, percebe-se que a inclusão desses trabalhadores não é trivial. Um estudo latino-americano de políticas alimentares destaca que, no Brasil, as merendeiras são “mulheres de baixa escolaridade” contratadas pelo Estado para preparar as refeições na escola – um papel central, mas que formalmente permanece invisível em carreira educacional. Em muitos países, as equipes de apoio escolar recebem mais reconhecimento institucional e treinamento; por isso, especialistas nacionais apontam que tornar explícito o valor desses profissionais nas leis, planos de carreira e orçamentos é necessário para mudanças efetivas.
Em suma, a LDB atual define estritamente quem é “profissional da educação escolar básica”: são professores e pedagogos com formação específica. Profissionais fundamentais para a rotina escolar – merendeiras, inspetores, auxiliares, secretários, equipe de limpeza, etc. – ficam fora do conceito legal e, por tabela, tendem a receber menos atenção nas políticas públicas. Essa exclusão alimenta a invisibilidade e a desvalorização desses servidores, apesar de sua importância real.
É preciso refletir se essa visão legal atende às necessidades da educação: será que só quem dá aula é de fato “profissional da educação”, quando tantos outros educam indiretamente e cuidam do ambiente de aprendizagem? O debate sugere que a Lei de Diretrizes e Bases poderia evoluir para reconhecer essas funções – como já pedem projetos de lei e iniciativas em mobilizações (para o piso e a carreira dos técnicos e auxiliares). Uma abordagem mais inclusiva beneficiaria a comunidade escolar como um todo. Assim, ao considerar quem está “invisível” no quadro da LDB, reforça-se a importância de lutar por políticas que valorizem todos os que contribuem para a educação – dos professores ao pessoal de apoio – garantindo melhor formação, carreira e condições de trabalho para cada um.
